19.1.09

A caspa do tenente Couceiro


Eu chamo-me Teodoro – e fui amanuense do Ministério do Reino.

Nesse tempo vivia eu à Travessa da Conceição nº 106, na casa de hóspedes da D. Augusta, a esplêndida D. Augusta, viúva do major Marques. Tinha dois companheiros: o Cabrita, empregado na Administração do Bairro Central, esguio e amarelo como uma tocha de enterro; e o possante, o exuberante tenente Couceiro, grande tocador de viola francesa.

A minha existência era bem equilibrada e suave. Toda a semana, de mangas de lustrina à carteira da minha repartição, ia lançando, numa formosa letra cursiva, sobre o papel «Tojal» do Estado, estas frases fáceis: «Il.mo e Ex.mo Sr. – Tenho a honra de comunicar a V. Ex.a... Tenho a honra de passar às mãos de V. Ex.a, Il.mo e Ex.mo Sr...»

Aos domingos repousava: instalava-me então no canapé da sala de jantar, de cachimbo nos dentes, e admirava a D. Augusta, que, em dias de missa, costumava limpar com clara de ovo a caspa do tenente Couceiro.


In O Mandarim, de Eça de Queirós

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